A ONDA
A crônica esportiva e alguns personagens do futebol brasileiro cunharam frases que são verdadeiras pérolas criativas. Por exemplo, "Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária não perdia uma", frase atribuída ao grande João Saldanha. Ou essas, atribuídas ao Gentil Cardoso: "Quem se desloca recebe, quem pede tem preferência" e "Quem não faz, leva." Ou ainda essa, conferida ao Neném Prancha: "Pênalti é tão importante, que deveria ser batido pelo presidente do clube." Até Drummond deixou a sua:" O povo toma pileques de ilusão com futebol e carnaval. São essas as suas fontes de sonho."
Porém, tem uma expressão que o mestre Antonio Adolfo certamente assinaria: "Em time que está ganhando não se mexe." Bem, ao menos pela constância dos seus mais recentes álbuns, embora Heráclito de Éfeso tenha afirmado que "a única constante é a mudança."
Particularmente, concordo com a afirmação do filósofo do fogo. Até porque, sei que Antonio Adolfo está sempre em movimento.
Portanto, quando me refiro à constância, digo sobre as homenagens que o mestre tem prestado, em seus mais recentes álbuns, a compositores importantes para a música do mundo, como Ernesto Nazareth, Milton Nascimento, Tom Jobim, Wayne Shorter, entre outros.
Aliás, tem o caso específico do álbum 'Octet And Originals', onde ele vai além e presta homenagem aos músicos, dedicando-lhes sua música maravilhosa e o álbum citado. Outro aspecto da constância, é o time de craques escalado por Antonio Adolfo, que, como um técnico campeão, faz apenas pequenas alterações, a depender das circunstâncias, porém, tem nos titulares Dada Costa (percussão), Jessé Sadoc (trompete), Jorge Helder (contrabaixo), Lula Galvão (guitarra), Marcelo Martins (sax tenor), Rafael Barata (bateria) e Rafael Rocha (trombone), um time entrosado, afeito aos seus arranjos inigualáveis, que jogam improvisando ou não, e fazendo gols de placa em cada tema.
Pois bem, é nessa pegada que Antonio Adolfo apresenta o seu mais recente rebento, o belíssimo álbum 'Bossa 65', cujo subtítulo é Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal. Nele, o mestre homenageia e celebra os compositores Carlos Lyra e Roberto Menescal, mentores vivos da música que virou gênero musical cultuado pelo mundo a fora e tem fôlego de apneista, sendo mundialmente conhecida como bossa nova. Além disso, no título está implícita a efeméride dos 65 anos desse gênero, considerando-se que foi em 1958 o seu surgimento.
Sem dúvida, é um luxuoso e justo tributo, prestado a três grandes ícones da música brasileira!
Fico a imaginar como deve ser a emoção, para um compositor, ter sua obra visitada dessa maneira magistral. Mormente, por ter o visitante a dimensão de um Antonio Adolfo, cuja generosidade e musicalidade têm consonância em patamares elevados!
Não ousarei tecer comentários sobre a audição desse álbum, para não cair na bobagem do lugar-comum e ser redundantemente repetitivo, pois tudo o que eu tinha a observar, sobre sonoridade, performances e polimentos diversos, já o fiz em resenhas pretéritas, que diziam respeito aos álbuns anteriores do mestre, e cujo atual não foge à regra. São trabalhos lançados praticamente a cada ano, nos últimos anos.
Permito-me apenas citar peculiaridades impossíveis de não serem ressaltadas, posto que são irresistíveis ao ouvinte atento. Por exemplo, o vocalize que Antonio Adolfo faz em 'Coisa Mais Linda" (Carlos Lyra e Vinícius de Moraes). Acontece como uma luxuosa surpresa, antes do solo de trombone do Rafael Rocha, para depois surpreender novamente, fazendo um contracanto ao final do solo. De momento surpresa, torna-se inesperado, quando o mestre solfeja parte da melodia de 'Coisa Mais Linda', dentro do solo de guitarra do Lula Galvão, e tudo isso já na faixa que abre lindamente (desculpe-me pela redundância) o álbum.
E por aí segue o encantamento, faixa por faixa, até à décima e última delas.
Como o próprio Antonio Adolfo afirmou: "Acredito que inovo em algumas músicas. Na verdade, é muito difícil tocar standards da bossa nova sem cair naquele lugar-comum. Aliás, se fosse para cair no lugar-comum, não gravaria. Então, trouxe para a minha onda."
E não há como negar que o encantamento desse novo trabalho está, dentre outros atributos, na "onda" dos arranjos, que dão atmosfera contemporânea a clássicos da bossa nova, e nas harmonias com sabor de jazz, porém, elaboradas seguindo as receitas do imo bossa nova.
Sim, Antonio Adolfo mexeu nas harmonias e melodias, mas recebeu o aval dos autores, pois, quem, se não ele, do alto de sua competência e musicalidade, poderia deixar 'Bye Bye Brasil' (Roberto Menescal e Chico Buarque) com uma levada tipo quadrilha junina, de temperico nordestino?
No mês passado completei 65 anos, porque nasci em 1958 e já nasci com o título de Campeão Mundial de Futebol.
Nasci, também, no ano em que o Brasil nascia para o mundo e a bossa nova para o Brasil.
Nasci sem saber que, no século seguinte ao do meu nascimento, um mestre, a quem estimo como a um irmão querido e admiro sua obra e trajetória, ofertaria esse presente para o mundo (o álbum Bossa 65 – Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal está há sete semanas no topo das execuções em rádios de jazz nos EUA e Canadá) e, por tabela, também à minha insignificante pessoa, cuja única dádiva tem sido saber fruir e anunciar, aos nossos 14 leitores e ouvintes, quem faz da música uma meritória e respeitável expressão de arte.
Obrigado, mestre Antonio Adolfo!
SERVIÇO
Bossa 65 – Celebrating Carlos Lyra and Roberto Menescal, Antonio Adolfo
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No +, MÚSICABOAEMSUAVIDA!!!🎶🎶🎶
Mácleim