BruMa: Celebrating Milton Nascimento, by Jose Teles – Jornal do Commercio – Recife – Brazil

A tropicália fez barulho, porém a música mais inovadora de 1967, não foi a dos baianos, mas a de cantor e compositor, carioca de nascimento, mas na prática mineiro, tranquilo, de só falar o necessário. Não se tem uma explicação lógica, para ele ter surgido com composições que não tinham base, influências, na tradição da música brasileira, muito menos da onipresente bossa nova. É certo que em Minas ele tocou standards da música americana, jazz, e era apaixonado por trilha de cinema. Mesmo assim, que sejam estas as origens do seu modelo de composição, Milton Nascimento, com Travessia, Morro Velho, Maria Minha Fé, Canção do Sal foi um sofisticado objeto não identificado, a que não se deu a importância devida, porque a época era de quem mais botasse a boca no trombone, o que não condizia com sua maneira de ser.
O pianista carioca Antonio Adolfo, que já conheceu o sucesso popular, com a toada moderna (um estilo fugaz) Sá Marina (em parceria com Tibério Gaspar), mas conhecida com Wilson Simonal. Ao longo dos anos, Adolfo saiu da mídia no Brasil, porém continuou a lançar discos. Nas duas ultimas décadas tem mais visibilidade no exterior. Sempre acompanhado de textos elogiosos e frequentando as páginas de publicações feito a Downbeat.
Bruma (Mist) – Celebrating Milton Nascimento (AAM), o mais recente álbum de Antonio Adolfo é dedicado à obra de Milton Nascimento, de quem foi contemporâneo na era dos festivais: “Depois de trabalhar com mais de trinta canções, escolhi nove. Mais uma vez conclui que Milton Nascimento é o mais moderno e profundo dos compositores do Brasil. Suas composições rompem com modelos harmônicos e rítmicos, com seu modalismo e métrica rítmica, tudo de maneira natural, intuitiva e espontânea” comenta o pianista a escolha do compositor. BruMa, o título é uma alusão as sílaba iniciais de Brumadinho e Mariana, cidades mineiras vítimas de dois catastróficos desastres ambientais
Antonio Adolfo costuma trabalhar com grandes músicos, desde que integrava, nos tempos do samba jazz, o Conjunto 3 D, no qual tocavam, entre outros, Novelli (baixo), e Hélio Delmiro (guitarra), e tinha como vocalistas Beth Carvalho e Eduardo Conde. Neste Bruma não poderia ser diferente. Estão com ele no novo disco: Lula Galvão, Leo Amuedo and Claudio Spiewak (guitarras), Jorge Helder e Andre Vasconcellos (baixo), Rafael Barata (bateria e percussão), Dada Costa (percussão), Jesse Sadoc (trompete e flugelhorn), Marcelo Martins (saxes e flauta), Danilo Sinna (sax alto), e Rafael Rocha (trombone). O disco foi gravado no Rio. Aliás, há pouco mais de três meses, Antonio Adolfo dividiu um álbum com Leila Pinheiro em torno de composições de seu antigo parceiro Tibério Gaspar (falecido em 2017).
REPERTÓRIO
A escolha das canções vai de 1965, Canção do Sal a 1999, com Tristesse (parceria com Telo Borges). Entre uma e outra, Cais, Três Pontas e Nada Será como Antes (as três com Ronaldo Bastos), Outubro, Fé Cega, Faca Amolada, Encontro e Despedidas, e Caxangá (estas com Fernando Brant). A roupagem dos arranjos que Antonio Adolfo deu as estas composições é jazzística. São arranjos bastante diferentes dos originais, às vezes tomando rumos inesperados, como Canção do Sal em levada de samba cool, quase uma bossa nova.
Em algumas faixas, o piano predomina, caso de Encontro e Despedidas, noutras, os instrumentos revezam-se em protagonismo, feito acontece em Três Pontas, com ênfase num baixo pulsante do começo ao fim. Cais chega em clima de cool jazz, enquanto Caxangá ganha levada de afoxé. Antonio Adolfo tem feito alguns dos mais interessantes discos da sua longa carreira neste década, pena que mais escutados pelos gringos.