Foi no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1967, aquele que consagrou Milton Nascimento como intérprete (sua Travessia, parceria com Fernando Brant, levou o segundo lugar), que Antonio Adolfo o conheceu. O pianista, compositor e arranjador carioca também participou do evento. No ano seguinte, os dois fizeram uma temporada juntos no Teatro Santa Rosa, no Rio. Adolfo, com grupo Trio 3-D, dividiu o palco com Milton e Marcos Valle.
Houve outros encontros ao longo desses 53 anos. BruMa – Celebrating Milton Nascimento, novo álbum de Adolfo, de 73 anos, vem homenagear a música do cantor e compositor de Três Pontas. São nove faixas instrumentais rearranjadas por ele, gravadas em cinco dias por um supertime de músicos: Cláudio Spiewak, Lula Galvão e Léo Amuedo (guitarras), Jorge Helder e André Vasconcellos (contrabaixo), Rafael Barata (bateria/percussão), Dadá Costa (percussão), Jessé Sadoc (trompete/flugelhorn), Marcelo Martins (flauta contralto/sax-tenor), Danilo Sinna (sax-alto) e Rafael Rocha (trombone).
FILHA Entre as faixas estão Fé cega, faca amolada, Nada será como antes, Canção do sal, Encontros e despedidas, Tristesse e Cais. Adolfo já vinha há alguns anos intensificando seu trabalho sobre a obra de Milton. Em 2012, produziu o álbum de sua filha, Carol Saboya, com músicas de Milton e Ivan Lins.
“Foi naquela época, quando fiz os arranjos do disco, que conheci Tristesse, dele com o Telo Borges. Fiquei apaixonado. A partir dali comecei a me ligar mais proximamente na música do Milton. Como arranjador e músico, passei a ver as possibilidades harmônicas e rítmicas de sua obra”, conta Adolfo.
Porém, o álbum só veio se concretizar agora, depois de muito estudo das partituras. Para chegar ao repertório final, Adolfo trabalhou em pelo menos 30 canções. “Trabalhando, você se torna quase um parceiro naquela música. Escrevi os arranjos na concepção que tenho usado nos meus últimos discos: sopros, baixo, guitarra, bateria e percussão.”
Adolfo gravou Fé cega, faca amolada sob influência das quadrilhas, enquanto Encontros e despedidas ganhou referência de guarânia. “Em Caxangá, coloquei um ijexá baiano, e em Três Pontas, como me lembrei de como o Milton sempre foi apaixonado por trens, coloquei o ritmo de um trenzinho.”
O disco foi gravado aos 45 do segundo tempo, ele diz. Em março, Adolfo se reuniu com o time de instrumentistas no estúdio Nas Nuvens. À exceção do naipe de sopros, que se encontrou com ele na semana anterior ao registro, não houve outros ensaios. A gravação foi ao vivo. “Quando você grava com os melhores, não pode ficar repetindo. Quando eles chegavam no estúdio, a gente passava a música três vezes e depois gravava.”
Os trabalhos terminaram às vésperas do início do isolamento social. “No último dia, lembro-me de a gente saindo do estúdio já sem nenhum trânsito”, revela. O título, BruMa, é homenagem às cidades de Brumadinho e Mariana, atingidas por tragédias ambientais recentemente.
Há 14 anos dividindo-se entre o Rio de Janeiro e Hollywood, na Flórida, Adolfo está no Brasil desde o início do ano por causa da pandemia. “Prefiro ficar aqui com a família toda. Estou também dando uma força para minha escola”, conta, referindo-se ao Centro Musical Antonio Adolfo, que fundou há 35 anos e conta com três unidades no Rio de Janeiro.
ON-LINE “Há uns cinco anos, já achava que deveria haver aulas on-line. Agora tivemos de fazer assim mesmo, e está funcionando bem”, diz ele, que há uma década não atua como professor.
“Venho lançando um disco por ano para compensar o tempo em que fiquei mais dedicado à escola. Foram uns 10 anos sem álbum novo”, acrescenta Adolfo, conhecido por ser o primeiro brasileiro a assumir todas as etapas da produção de um álbum. O LP Feito em casa (1977) é considerado o primeiro disco independente do Brasil. (MP)
CORAÇÃO AMERICANO
Lançado em 2008, o livro Coração americano – Bastidores do álbum Clube da Esquina, organizado pela produtora cultural e educadora Andréa Estanislau, ganhou segunda edição, revista e ampliada. O volume reúne fotos inéditas e textos de Fernando Brant, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Lô Borges, Tavito e Toninho Horta, entre outros. Neste sábado (8), a partir das 20h, será disponibilizado nas redes sociais do Circuito Municipal de Cultura bate-papo da autora com a cantora Bárbara Barcellos, que acompanhou Milton na turnê Semente da terra (2017-2019). Informações sobre o livro: www.coracaoamericano.com.br.