BruMa: Celebrating Milton Nascimento, by Tarik de Souza – IMMUB – Brasil

Um encontro de luminares. O pianista, compositor, arranjador e produtor Antonio Adolfo singra composições de Milton Nascimento no CD “BruMa” (AAM). O título evoca as tragédias de Brumadinho e Mariana, regiões mineiras devastadas pelos catastróficos rompimentos de barragens da empresa Vale. Embora nascido no Rio, como Adolfo, Milton foi criado em Minas, em cujo ambiente cultural inspirou-se para construir sua obra monumental. “As composições de Milton quebraram padrões harmônicos e rítmicos com seu modalismo, de maneira espontânea e intuitiva. O que fiz foi adicionar a esse repertório meu vocabulário de jazz brasileiro”, sedimenta Adolfo, que assina piano e arranjos do disco.

O trajeto do pianista começa ainda como garoto prodígio da bossa nova, aos 17 anos, a bordo de seu trio 3D, em 1964, que se tornaria grupo, com a adesão das cordas de Helio Delmiro e vozes dos iniciantes Beth Carvalho e Eduardo Conde, três anos depois. Em 1969, Adolfo já liderava a eletrificada Brazuca, com guitarra de Luiz Claudio Ramos (posterior diretor musical de Chico Buarque), baixo de Luizão Maia e baterias de Vitor Manga e Paulinho Braga. Era a época da toada moderna/pilantragem e a dupla autoral do pianista com o letrista Tibério Gaspar emplacou de “Sá Marina” (na voz de Wilson Simonal) a “Teletema” e “Juliana”. Em 1970, já no modo “soul”, eles sacudiriam o Festival da Canção com “BR3”, no vozeirão de Toni Tornado. Corte para 1977: distribuído pelo próprio solista, seu vinil “Feito em casa”, no selo Artezanal, inaugurava o ciclo do disco independente, seguido por “Encontro musical”, “Vira lata” e “Continuidade”. Esquadrinhando as origens, Adolfo abordou o choro, gravando de Ernesto Nazareth a Chiquinha Gonzaga, esta remodelada em “Chiquinha com jazz”, que antecedeu “Carnaval piano blues” (uma releitura blueseira de clássicos da folia), e a liberdade total de “Piano improviso”.

A partir do ano 2000, o mestre de incontáveis discípulos do Centro Musical Antonio Adolfo passou a alternar-se entre o Brasil e EUA. Gravou discos com a filha cantora Carol Saboya (“Ao vivo”, “Lá e cá”) e promoveu fusões sonoras como “Chora baião”, “Finas misturas”, “Rio, choro, jazz”, “Hybrido”, “Tropical infinito”, “Copa Village” (com Carol e o gaitista alemão Hendrik Meurkens). Recentemente, revisitou a parceria com Tibério Gaspar, no songbook ”Vamos partir pro mundo”, com a cantora Leila Pinheiro.

Líder de um movimento musical, só tardiamente reconhecido sob o rótulo de Clube da Esquina, que colocou a música mineira moderna no mapa da MPB, Milton Nascimento foi revelado no Festival da Canção de 1967, a bordo de nada menos de três classificadas, “Travessia”, “Morro velho” e “Maria, minha fé”. No ano seguinte, Adolfo e seu Trio 3 D apresentaram-se em temporada com Milton e Marcos Valle no finado Teatro Santa Rosa, no Rio. A obra do compositor, de intenso protagonismo no cenário da MPB e projeção internacional, é abordada através de várias fases, no CD de subtítulo “Celebrating Milton Nascimento”. Adolfo utiliza diversas formações nas nove faixas escolhidas, a partir da seleção de músicos que arregimentou: Jesse Sadoc (trumpete, flugelhorn), Marcelo Martins (sax tenor, flauta), Danilo Sinna (sax alto), Rafael Rocha (trombone), Jorge Helder mais André Vasconcellos (baixo), Rafael Barata, bateria e percussão, dividida com Dadá Costa e mais Claudio Spiewak, um dos três guitarristas convocados, ao lado de Lula Galvão e Leo Amuedo.

Em se tratando de artistas dessa grandeza, obviamente, não são leituras lineares. “Canção do sal”, dos primórdios da carreira de Milton, abre alas com bateria de samba, seguida por sopros que gingam em naipe no enredo. Também desse começo, “Três Pontas” (com Ronaldo Bastos), que homenageia a cidade mineira onde Milton foi criado, ganha um módulo em repetição, que alicerça as elásticas passagens do tema, respingadas por piano. Outra antiga, do disco de estreia do compositor, “Outubro” (com Fernando Brant) desliza a robustez melódica cinzelada por trumpete. Mais duas parcerias com Bastos, de tônus roqueiro, “Fé cega, faca amolada” e “Nada será como antes” tomam veredas divergentes. A primeira, vem temperada pela latinidade dos couros e a segunda conduzida por sopros (e improvisos) jazzísticos. E, enquanto a afro/folk “Caxangá” (com Brant) é comboiada por um ijexá, baiano, “Cais” (com Bastos) abandona-se a uma bossa ralentada, de amplo espectro. Lançada num duo de Beto Guedes e Paula Toller, em 1999, e sacramentada por outro duo, do próprio autor com Maria Rita, no disco “Pietá”, em 2003, a densa “Tristesse” (com Telo Borges) fecha o disco, numa alusão ao erudito Frédéric Chopin (“Tristesse opus 10 no. 3”), entre sopros corais e piano em contraponto. “No trabalho, concluí que Milton é o compositor mais moderno e profundo do Brasil. Não por acaso, tantos grandes músicos se apaixonam por sua música”, escreveu um deles, Antonio Adolfo, no texto de apresentação do álbum.