BruMa: Celebrating Milton Nascimento, by Mácleim – O DIA – Maceió BR

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Na canção A Filha de Mané Bento, do saudoso Genival Lacerda, tem uma frase que diz: “O que é bom tá guardado”. Pois bem, o álbum BruMa: Celebrating Milton Nascimento, mais um trabalho de mestre do Mestre Antonio Adolfo, após algumas audições ficou guardado, como quem guarda uma relíquia atemporal, que será sempre nova, bela e revigorante ao ser revisitada. Agora, mesmo depois de tantas e meritórias louvações dos críticos e da imprensa especializada, ressaltando as inúmeras qualidades e acuidades desse álbum, não pude conter o desejo de socializar minha satisfação e felicidade de fruidor, toda vez que retorno ao BruMa, sem névoas.

Entendo que o título, o nome de um álbum, além de traduzir conceito, também pode ser o fio condutor pelo o qual o autor constrói seus encantos e enigmas de Cnossos. Se bem que não deve ter sido o caso do BruMa, pois Antonio Adolfo só costuma dar nome aos álbuns após gravá-los. Abstraindo-me dessa premissa, BruMa, afora ser uma palavra que me soa bela, significa névoa, serração, nevoeiro, coisas das montanhas de Minas Gerais. Portanto, ele foi muito feliz e perspicaz, quando amalgamou todos esses significados ao título do álbum e pensou num acrônimo, para prestar homenagem a Brumadinho e Mariana, vítimas do rompimento devastador de barragens de rejeitos de mineração.

BruMa é um belíssimo e refinado tributo à música de Milton Nascimento, cuja alma e relevo mineiro o fez ente das Gerais, apesar do compositor ser carioca por nascimento. Desde o Festival Internacional da Canção, em 1967, onde Milton aconteceu com Travessia, que Antonio Adolfo o conhece e até trabalhou com o compositor “mineiro”. Como conhecedor da obra de Milton Nascimento, não deve ter sido nada fácil ajustar a trama da peneira até chegar às nove canções, que viraram temas instrumentais sob a ótica da leitura jazz brazuca, característica do fazer musical do Mestre Antonio Adolfo. Não obstante, ele sempre acerta a mão, como um Midas contemporâneo. Foi assim, também, quando se debruçou sobre a obra de Chiquinha Gonzaga, por duas vezes, e deu vida aos geniais e antológicos Viva Chiquinha Gonzaga e, posteriormente, Chiquinha Com Jazz.

Os nove temas escolhidos, depois de uma pré-seleção de mais de trinta concorrentes, são da fase do Clube da Esquina (com exceção de Tristesse, que é mais recente), onde Milton Nascimento alicerçou sua base, com composições que ressignificaram padrões harmônicos e rítmicos, num modalismo espontâneo e, certamente, intuitivo. As canções receberam roupagem jazzística, de arranjos precisos, que encantam e afagam pela riqueza dos detalhes e pela sonoridade altamente cativante e aconchegada aos metais. Assim, Antonio Adolfo adicionou a esse repertório o seu vocabulário, tão característico à sua obra, porém, com o frescor das novidades, em releituras apropriadas, sensíveis e criativas, capazes de agregar novos valores ao que já nos era familiar e belo.

BruMa foi gravado em cinco dias, as vésperas do primeiro recolhimento social provocado pela pandemia, mas foi tempo suficiente para o mestre poder contar com a participação de músicos notáveis e calhados à sua atmosfera musical, como Claudio Spiewark, Lula Galvão e Leo Amoedo (guitarras), Danilo Sinna, Jessé Sadoc, Marcelo Martins e Rafael Rocha (sopros), André Vasconcelos e Jorge Helder (baixos), Rafael Barata (bateria) e Dada Costa (percussão), todos sob a batuta gregária e generosa do Mestre Antonio Adolfo, tendo o seu piano portentoso e insinuante como guia e protagonista na exata medida do partilhar e receber.

E tudo começa com: Fé Cega, Faca Amolada, numa levada deliciosa, que nos faz lembrar um trem Maria Fumaça pelas encostas das montanhas de Minas, como que apregoando uma viagem inesquecível, onde fortes emoções serão reveladas em arranjos e improvisos memoráveis, que perpassam de tema em tema, trazendo a certeza de que a partir do começo do embarque Nada Será Como Antes, Outubro, Canção do Sal, Encontros e Despedidas, Três Pontas, Cais e Caxangá, serão belas e pitorescas estações, pois o trem que chega já não é o mesmo da partida, num misto de alegria, emoção e alguma tristeza na melancolia final de Tristesse, a última estação Adolfiana. O fato é que BruMa tem o mesmo tanto de Milton Nascimento e de Antonio Adolfo em suas brasilidades. Juntos, vão subindo a Rua da Ladeira mundo afora!

Mácleim (27 04 2021)