CD Jobim Forever, by Tarik de Souza – IMMuB (BR)

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Aos 12 anos, em 1959, o carioca de Santa Teresa, Antonio Adolfo Maurity Saboya impressionou-se com a canção que ouviu no rádio do carro de sua mãe, a violinista do Teatro Municipal e professora de música Yolanda Maurity. Era “A Felicidade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que o seduziu pela novidade. Ele que desde os 7, estudava violino com Paulina D’Ambrozzio, aos 15, passou para o piano e com 17, já decolava em disco, na cena da bossa nova, a bordo de seu Trio 3D. Produzido pelo ás do sambalanço Roberto Jorge (principal parceiro de Orlandivo), o álbum, “Tema 3D”, rompia limites da era do piano-baixo-bateria do samba jazz/bossa nova. Incorporava também violão e trompete à sonoridade do grupo, que contou com o reforço do luminar Dom Um Romão em cinco faixas na bateria, revezando-se com o titular, Nelsinho. O 3D já estreou com prestígio, acompanhando Nara Leão e Carlos Lyra na peça musical “Pobre menina rica”, de Lyra e Vinicius de Moraes. No segundo álbum, “O Trio 3 D convida”, de 1965, fariam participações especiais os craques dos sopros Paulo Moura, Meirelles e Raul de Barros.

57 anos depois de uma carreira multifacetada e brilhante, Adolfo revisita a bossa e seu primeiro autor inspirador, no disco “Jobim forever” (AAM), alojado por quatro semanas no primeiro lugar na parada da revista especializada americana Jazzweek, no mês de setembro. É uma portentosa revisita ao repertório de Tom Jobim (1927-1994), o “maestro soberano”, como o chamou seu parceiro Chico Buarque, com toda a notável bagagem de pianista, arranjador e mestre da matéria, acumulada por Adolfo – de papa da toada moderna a pioneiro do disco independente. E, principalmente, instaurador, em tempos recentes, de um diálogo pós-bossa com o jazz , através de discos como “Lá e cá (Here and there)” (com a filha cantora, Carol Saboya), (2010), “Rio, choro jazz” (2014), “Copa village” (com Carol e Hendrick Meurkens) (2015), “Hybrido – From Rio to Wayne Shorter” (2017) e “Samba jazz Alley (2019).

Ao repertório de “Jobim forever” não falta a evocativa “A felicidade” ouvida aos 12 anos, agora em densa roupagem orquestral, assinada pelo solista. No disco, ele conta com excelentes músicos: Lula Galvão (guitarra), Jorge Helder (baixo), Paulo Braga e Rafael Barata (este também na percussão, com Dada Costa) revezando-se na bateria, e o naipe de sopros de alta estirpe, formado por Jessé Sadoc (trompete e flugelhorn), Marcelo Martins (flauta, saxes tenor e soprano), Rafael Rocha (trombone) e Danilo Sinna (sax alto). Os cumes vocais de Zé Renato (ex-Boca Livre) são convocados para uma rara e seleta participação exatamente em “A Felicidade”, no refrão elucidativo: “tristeza não tem fim/ felicidade sim”. Dispensados comentários adicionais.

A todo risco, pelo excesso monumental de regravações, devido a seu êxito estratosférico, Adolfo também revisita “Garota de Ipanema”, que frequentava como recém lançada, o primeiro disco do 3D, em 1964. É a faixa que abre desafiadoramente “Jobim forever”, pondo a prova a capacidade de Adolfo e seu grupo de reedificá-la, a despeito de sua alta rodagem. Incluída no segundo disco do 3D, “Água de beber” (como as anteriores, parcerias de Jobim e Vinicius) também volta repaginada, com o inato suingue injetado de imprescindível senso de urgência. Há método nessa árdua arte de retrofitar pepitas muito luzidias, como também “Insensatez” (regravada até pelos espíritos punks Iggy Pop e Sinead O’Connor), “Wave” e “Inútil paisagem” (esta, parceria com o produtor Aloysio de Oliveira). “Quando faço um arranjo, toco a música várias vezes, até sentir uma espécie de parceria com o autor. Após absorve-la, deixo minha interpretação emergir e, então, posso criar as diferentes harmonias, métricas, fraseados e formas que adapto aos instrumentos para os quais concebo os arranjos”, ensina o mestre, formando discípulos desde 1985, no Centro Musical Antonio Adolfo.

Dessa incorporação co-autoral, também fazem parte do raro protesto na obra jobiniana “O morro não tem vez” (mais uma com Vinicius), matizada por piano com ginga de sopros em naipe, e jazzísticos solos de sax, e a etérea valsa “Estrada do sol’ (rara parceria de Jobim com Dolores Duran), conduzida por elegantes arabescos de flauta. Não falta ao roteiro a porção camerística de Jobim, no enclave “Amparo” (letrada por Chico Buarque e Vinicius, com o título de “Olha Maria”) e “Por toda a minha vida”. Esta é outra de Tom e Vinicius, que intitulou o disco de parcerias da dupla pela cantora lírica Lenita Bruno, em 1958. Ele atestava que a bossa tanto poderia ter ido pelo caminho erudito, quanto pela vereda popular, como singrou Elizeth Cardoso (com uma participação de João Gilberto ao violão) em “Canção do amor demais”, lançado na mesma época. Em ambas as esferas musicais, e mais nos deltas abastecidos pelo jazz, Antonio Adolfo pontifica como artífice da solidez inquebrável da arte maior deste país, sob trevas e tempestades.